terça-feira, 5 de outubro de 2010

ASPECTOS SOBRE MANDADO DE INJUNÇÃO E A NOVIDADE DO M.I Nº 2010.004388-1, JULGADO PELO TJRN

Pelo Bombeiro Militar Samuel Vilar de Oliveira, Bacharel em Direito pela UFRN e Sócio da ABM-RN



1.INTRODUÇÃO

Nos últimos dias muitos questionamentos surgiram e continuam a surgir em virtude do Mandado de Injunção julgado pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que possibilitou, em virtude de lacuna legislativa, a aplicação subsidiária da regra inserta no Art. 19 do Regime Jurídico Único dos Servidores Civis (Lei Complementar nº 122/94).
No ponto, o Tribunal entendeu que a jornada de trabalho dos policiais militares deve ser regulamentada, assegurando ao impetrante da ação, o Policial Militar Janiselho das Neves Souza, o cumprimento de carga horária de trabalho de até 40 (quarenta) horas semanais, devendo o Estado do Rio Grande do Norte, no prazo de 150 dias, encaminhar projeto de lei ao Legislativo, regulamentando a jornada de trabalho dos policiais militares estaduais. Diante desta situação fática, este texto busca esclarecer alguns pontos do instituto do mandado de injunção e aclarar o teor da decisão em análise.
2. MANDADO DE INJUNÇÃO
2.1 Conceito

O Mandado de Injunção é inovação da Constituição Federal de 1988 e encontra-se preceituado em seu art. 5º, inciso LXXI, senão vejamos:

Art. 5º, LXXI
Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;
Segundo o constitucionalista Alexandre de Morais, o mandado de injunção “visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal”.
2.2 Objeto
O objeto do mandado de injunção são todas as normas constitucionais que demandam a atuação regulamentadora do Legislador como condição de fruição de direitos e liberdades. Seriam, nos ensinamentos de Alexandre de Morais as normas constitucionais de eficácia limitada, “por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade”.
2.3 Requisitos

São dois os requisitos para a impetração do mandado de injunção. O primeiro diz respeito à omissão do Poder Público em regulamentar, através de lei, uma determinada previsão constitucional. O segundo é que a omissão normativa deve ser a causa da inviabilidade do exercício do direito.

2.4 Legitimidade
Quando falamos em legitimidade, estamos tratando das pessoas que poderão ajuizar determinada demanda perante a Justiça, como também das pessoas que poderão vir a serem demandas. Alexandre de Morais adverte que:
“o mandado de injunção poderá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional esteja sendo inviabilizado em virtude da falta de norma regulamentadora da Constituição Federal”

Apesar da omissão constitucional em relação à possibilidade do mandado de injunção coletivo, o Supremo Tribunal Federal há muito tempo vem entendendo ser possível que partidos políticos com representação no Congresso Nacional, organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano possam impetrá-lo.
Será sempre o ente estatal a pessoa demanda, pois somente ele poderá expedir atos normativos.
2.5 Efeitos da Decisão de Mandado de Injunção
São várias as teorias que estabelecem os efeitos do mandado de injunção. Teceremos breves comentários sobre algumas, sem maiores aprofundamentos, uma vez que não é o objetivo deste texto.
Temos primeiramente a Teoria não-concretista, que tem como fundamento o fato do Poder Judiciário poder apenas declarar a mora legislativa e a conseqüente comunicação ao órgão responsável pela prática do ato normativo, não podendo suprira lacuna por ferir o Princípio da Separação dos Três Poderes.
Outra Teoria seria a Concretista Geral, a qual defende que o Poder Judiciário supra a lacuna legislativa, regulando a omissão em caráter geral, ou seja, além de conceder o direito ao impetrante do mandado de injunção, estaria também regulando as situações idênticas, dando efeito erga omnes, ou seja, para todos.
Temos também a Teoria Concretista Individual, a qual defende que na decisão a Justiça pode regulamentar a situação, suprindo a lacuna legislativa, porém a decisão só geraria efeitos para quem impetrou o mandado de segurança, ou seja, os efeitos seriam inter partes.
Finalmente, temos a Teoria Concretista Individual Intermediária, que defende a idéia do Judiciário, em um momento inicial, limitar-se a declarar a mora do órgão legiferante, sendo, na oportunidade, fixado prazo para a edição do ato normativo. Tendo expirado o prazo retro, estaria a justiça autorizada a regular o caso concreto, ou seja, apenas para o impetrante do mandado de injunção.
2.6 Supremo Tribuna Federal e sua Interpretação
O STF sempre pautou suas decisões com base na Teoria Não-concretista, limitando-se apenas em declarar a mora legislativa e em comunicar o órgão responsável em realizar o ato normativo. A partir do ano de 2006 o Supremo Tribunal Federal passou a rever sua posição, pois a Teoria Não-Concretista gerava descrédito e certa revolta da comunidade jurídica como também de toda a sociedade. Tal fato se deu em virtude das mudanças de certos Ministros da Suprema Corte, que foram para a inatividade.
Em 2006 o Supremo deparou-se com o Mandado de Injunção nº 721, O Ministro Relator Marco Aurélio, assim se expressou em seu voto, in verbis:

"É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e a harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração gerada pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultando em algo que não interessa, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do art. 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se mandado de injunção não para lograr-se de certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos Tribunais do Trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, a atuação legiferante, desde que consoante prevê o § 2º do artigo 114 da constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho". (...)
Porém, o STF em 25 de outubro de 2007, em três mandados de injunção (Mis nº 607, 708 e 712), que tinham como objeto o direito de greve dos servidores públicos civis, inviabilizado pela inércia de normatização por parte do Congresso Nacional. No ponto, prevaleceu a Teoria Concretista Geral, devendo ser aplicada aos servidores públicos civis a Lei nº 7.783/89, que regulamenta o direito de greve do setor privado. Vejamos a ementa do SFT sobre a temática:
"O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007."

O Ministro Celso de Mello assim se pronunciou sobre a temática, in verbis:
Não se pode tolerar sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem vem se negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República. (grifo)

Assim, temos que a teoria adotada pelo Supremo Tribunal Federal é a Concretista Geral, muito mais do lado da efetividade da justiça.
DO MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 2010.004388-1
3.1 Objeto

O impetrante na oportunidade argumentou que, como agente de segurança pública vem sendo submetido à carga horária exaustiva de trabalho, chegando rotineiramente às cansativas 240 horas mensais de trabalho, chegando, muitas das vezes, a 320 horas de trabalho, contabilizando eventos como carnaval, carnatal, festas juninas, eventos religiosos, esportivos, dentre outros.
Consta no Acórdão que o autor afirmou que “o Estado negligencia, fazendo os servidores disponíveis trabalharem além de uma limitação razoável de trabalho, ferindo, assim, o próprio princípio constitucional da dignidade humana”.
O impetrante requereu que principalmente, diante da omissão legislativa em relação à jornada de trabalho, o art. 19 da Lei Complementar Estadual 122/94 fosse-lhe aplicada de forma subsidiária, até que norma específica seja elaborada pelo poder Legislativo, com iniciativa privativa do Governador do Estado.
Posteriormente, a Procuradoria do Estado se manifestou pela improcedência, enquanto que o Ministério Público lavrou parecer pela procedência do pedido.
3.2 Do julgado e seus efeitos

O Tribunal de Justiça do Estado ementou assim o presente julgado:

EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO – POLICIAIS MILITARES – CARGA HORÁRIA DE TRABALHO – AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO – OMISSÃO LEGISLATIVA – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA REGRA INSERTA NO ART. 19 DO REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES CIVIS (LEI COMPLEMENTAR Nº 122/94) ATÉ A EDIÇÃO DA NORMA ESPECÍFICA – RECONHECIMENTO DA MORA LEGISLATIVA E DETERMINAÇÃO DE PRAZO PARA O SUPRIMENTO DA LACUNA – PROCEDÊNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO.
Reconhecida a lacuna na legislação estadual no que diz respeito à regulamentação da jornada de trabalho de policiais militares, é possível a concessão de mandado de injunção para assegurar ao impetrante o cumprimento da carga horária estabelecida no regime jurídico a que se submetem os servidores civis, até a edição da norma específica. (grifo)
O presente julgado foi da relatoria do Doutor Nilson Cavalcanti, Juiz Convocado e é fácil observar a predominância da Teoria Concretista Individual, tendo em vista que o julgado supriu a lacuna legislativa, determinando a aplicação do art. 19 da Lei Complementar nº122/94, limitando seus efeitos ao impetrante do mandado de injunção. Desta forma, apenas o policial militar Janiselho das Neves Souza fará jus à carga horária de trabalho diferenciada.
Ademais, cumpre informar que a Justiça ao mesmo tempo em que viabilizou o direito do impetrante do mandado de injunção, deu prazo de 150 dias para que o Chefe do Executivo elabore projeto de lei que trate sobre a jornada de trabalho do profissional de segurança pública e, posteriormente, faça-o encaminhar à Assembléia Legislativa.
CONCLUSÃO
Diante do que fora analisado, é evidente que o instituto do mandado de injunção é importante instrumento para a viabilização de direitos, liberdades e garantias preceituados na Constituição Federal e que, em virtude da omissão legislativa, não podem ser gozados pelos cidadãos.
É oportuno salientar também que existe forte tendência do Judiciário em reconhecer legítimo o estabelecimento de carga horária digna aos militares profissionais de segurança pública, em perfeita consonância com o Princípio da Dignidade Humana, fundamento da República Federativa do Brasil.
Em que pese o mandado de injunção nº 2010.004388-1 ter determinado a aplicação do Art. 19 do Regime Jurídico Único dos Servidores Civis, no que tange à carga horária mais humanizada, salientamos que tal decisão se restringe apenas ao impetrante da ação, conforme explicado alhures.
Por estes fundamentos não nos parece lícito e inteligente aos militares estaduais, como também às associações, pleitearem, junto aos comandos, que a carga horária prevista no Regime Jurídico Único dos Servidores Civis seja aplicada no seio da tropa, uma vez que não há previsão legal para tanto, não podendo a Administração Pública praticar ato sem lastro legal.
Finalmente, expomos que aos interessados poderão interpor mandado de injunção, seja individual ou coletivo, para que o ente estatal supra a ausência de lei e, com isso, seja estabelecida carga horária de trabalho que se coadune com o Princípio Constitucional da Dignidade Humana.

“Com talento ganhamos partidas; com trabalho em equipe e inteligência ganhamos campeonatos” (Michael Jordan)



Um comentário:

  1. Discordo do companheiro. Não pelo alcance da decisão do TJ/RN, mas, sim quando as associações e policiais militares poderem ou não cobrar uma escala justa diretamente junto ao Comando. Os policiais podem e devem cobrar juntamente ao Comando respectivo uma escala justa, uma vez que há norma que garante tal direito. É a regra inserta na Constituição Federal, art. 1º, III. Isso porque a Administração militar não pode negar a condição de pessoa humana do policial militar e, se não ha uma norma especifica limitando em 40 horas o trabalho semanal, de outra banda não há norma legitimando as escalas acima das 40 horas: a omissão é uma faca de dois gumes e não pode prejudicar o cidadão policial militar, enquanto ser humano que é. Enquanto, individualmente, podemos fazer tudo que a lei não proíbe, observe-se que a Administração só pode fazer o que a lei manda. Assim, o policial militar pode sim cobrar de seu Comandante uma escala justa, utilizando como parâmetro a orientação (jurisprudência) do TJRN extraída do MI, exigindo ser tratado como pessoa humana que é.

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