Reportagem da Tribuna do Norte
De: Roberto Lucena
Repórter
O som da sirene ecoa por todo o Quartel. O alerta sonoro indica que um edifício de quatro andares está pegando fogo em um determinado bairro da cidade. Não demora muito e quatro viaturas saem em disparada para o local do acidente. Em menos de 20 minutos, 17 soldados conseguem apagar o fogo e resgatar cinco vítimas que estavam dentro do prédio. Ninguém saiu com ferimentos graves e todos comemoram a ação rápida e eficiente.
A história que você acabou de ler não aconteceu de fato. A cena foi uma simulação apresentada há duas semanas dentro do Quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte (CBMRN). Quem assiste o treinamento, tem a impressão de que nossos policiais bombeiros dispõem de quantidade suficiente de equipamentos e o efetivo atende às necessidades da população. Mas a realidade não é essa. O Estado tem hoje um déficit de 2.463 bombeiros e, de acordo com os próprios policiais, o número de viaturas de resgate e de postos fixos é insuficiente.
Atualmente, são 654 homens e quatro mulheres para atender uma população de 3.121.451 habitantes, segundo dados do último censo do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE). A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a proporção de um bombeiro para cada mil pessoas. Ou seja, o RN tem uma deficiência de 78,92%. Apesar dos números, o comandante do corporação, coronel Elizeu Lisboa Dantas, é otimista. Ele acredita que nos próximos dois anos o cenário será outro. “O Estado passa por um momento de transição e percebo que há uma vontade política de mudar a realidade. Acredito que nos próximos anos vamos receber mais dois mil bombeiros”, comenta.
Pesa sobre a “vontade política”, a exigência da Federação Internacional de Futebol (Fifa) de que cada cidade sede da Copa do Mundo 2014 tenha no mínimo dois mil bombeiros. Atualmente, Natal conta com pouco mais de 400 soldados lotados no Quartel Geral e em outras três unidades espalhadas na Região Metropolitana. Parte desse efetivo não está nas ruas combatendo incêndios ou realizando outras ações inerentes ao ofício [veja box]. Muitos estão dentro de salas fazendo serviços burocráticos. “Sobre isso, já falei para a governadora da necessidade de se realizar concurso público com vagas específicas, como Arquiteto, Engenheiro Civil e outros cargos”, diz Elizeu.
O último concurso público da instituição foi realizado em 2006. Em 2009, foram chamados 100 soldados e 204 suplentes aguardam a convocação até novembro deste ano. “Temos a expectativa de abrir um novo concurso com 50 vagas para cadetes até o final do ano”, revela o coronel.
A falta de efetivo adequado é a principal reclamação da Associação dos Bombeiros Militares do Estado (ABMRN). Com 413 sócios, a associação luta, desde que foi fundada, para melhorar as condições de trabalho dos bombeiros. “O problema de efetivo é o que pesa mais. A complementação do quadro é uma necessidade real que precisa ser revista com urgência”, afirma o presidente da ABMRN, soldado Rodrigo Maribondo.
Repasse ultrapassa os R$ 16 milhões
De janeiro a agosto deste ano, o Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte (CBMRN) recebeu um total de R$ 16.572.119,34 de repasses do Governo do Estado. De acordo com a Diretoria de Administração Geral do Comando, o ano está sendo “atípico” e afirma, sem detalhar, que “existem projetos de ampliação orçamentária para 2012”, mas não especificou outros dados para comparativo nem estimativas de aumento.
Alex RégisAs viaturas, estacionadas no pátio do prédio do comando, ainda estão em número insuficiente
Outra forma da corporação angariar recursos é com a prestação de serviços como vistorias em edificações e análises de projetos arquitetônicos liberando-os ou não para construção. Mas o valor total arrecadado com essas atividades não foi divulgado pelo comando.
A história do Corpo de Bombeiros no Rio Grande do Norte tem como divisor o ano de 2002, quando houve a efetivação da autonomia financeira e orçamentária da instituição. A partir daí, ficou mais fácil gerenciar o dinheiro repassado pelo Governo do Estado bem como os valores recolhidos pela prestação de serviço.
Apesar disso os ganhos salariais dos bombeiros não acompanharam essa evolução. O militar bombeiro potiguar recebe a 16ª pior remuneração do país. Um soldado ganha R$ 1.818,00 de salário bruto por mês. O valor é o mesmo que um soldado da Polícia Militar recebe, porém com uma diferença. “O bombeiro não tem perspectiva de ascensão na profissão. Não existe concurso interno nem promoção de patente”, aponta Rodrigo Maribondo, presidente da ABMRN.
Atualmente, os policiais bombeiros, assim como os militares, vivem a expectativa da equiparação dos salários com o que é pago aos servidores da Polícia Civil. Os bombeiros esperam ainda a aprovação da Lei de Organização Básica (LOB) que deverá ser feita pela governadora Rosalba Ciarlini. A LOB, segundo o comandante Elizeu Lisboa Dantas, irá corrigir algumas distorções que ocorrem atualmente.
“Na lei, prevemos a criação de cargos administrativos. Hoje, perde-se muito dinheiro com treinamento de pessoal para assumir um cargo na área administrativa da instituição”, revela. A implantação de unidades da corporação em municípios com mais de 60 mil habitantes também está prevista na Lei.
A impossibilidade de ascensão profissional acaba frustrando alguns soldados que entram na corporação. Os números não são exatos, mas estimativas da ABMRN revelam que cerca de 50 convocados no último concurso abandonaram o serviço. “Alguns entram por amor ao serviço, mas outros optam pelo serviço público porque estão desempregados. Alguns se apaixonam pela entidade e ficam por aqui tentando mudar a realidade”, explica Rodrigo Maribondo.
À frente do CBMRN desde janeiro deste ano, o coronel Elizeu diz que já conseguiu realizar algumas mudanças estruturais na instituição. A mudança é de fácil percepção a quem entra no Quartel Geral localizado no cruzamento das avenidas Prudente de Morais com Alexandrino de Alencar, em Natal. Há prédios em construção e reformas em alguns pontos. Na difícil tarefar de comandar mais de 600 homens, Elizeu diz contar com a ajuda e apoio de outros órgãos. “Felizmente temos parceria fortes com a Secretaria Nacional de Segurança, Infraero e Petrobras. Isso ajuda bastante o nosso trabalho”.
Interior é mal atendido por bombeiros
A falta de homens em serviço não é a única necessidade enfrentada pelos bombeiros do RN. Faltam viaturas, fardamentos e equipamentos especiais. A interiorização da corporação é outra dificuldade. Além de Natal, somente três municípios do Estado contam com uma unidade do Corpo de Bombeiros – Mossoró, Caicó, Pau dos Ferros. “O ideal é que tivéssemos mais unidades descentralizadas. No interior a situação é ainda mais precária que na capital”, reclama o presidente da Associação dos Bombeiros Militares do Estado (ABMRN), Rodrigo Maribondo. O número de equipamentos e viaturas, melhorou nos últimos anos. mas ainda não é o ideal.
A análise é compartilhada pelo comandante da instituição, coronel Elizeu Lisboa Dantas. “A partir de 2002, com a emancipação dos bombeiros, melhoramos a estrutura. Ainda assim, não é o número ideal. Precisamos de pelo menos mais sete viaturas”, afirma.
Nas ruas, os bombeiros sentem-se intimidados ao comentar o assunto. O medo de serem punidos os impede de revelar a identidade e qual setor trabalham. “Rapaz, se eu falar meu nome, complica pro meu lado. Mas realmente está faltando muita coisa. Precisa de mais viaturas, de botes salva-vida e de equipamentos de proteção individual”, diz um soldado.
O coronel Elizeu explica que os equipamentos e veículos usados pelos bombeiros são caros. Uma auto plataforma aérea – viatura que dispõe de equipamento que pode chegar a 54 metros – custa, em média, R$ 500 mil. Um auto bomba tanque (ABT) não sai por menos de R$ 50 mil. “A compra desses itens demanda uma certa preparação. Não é tão simples como comprar uma viatura da Polícia Militar, por exemplo. Mas todo investimento é recompensado quando se salva uma vida”.
Trabalho voluntário é destaque
O combate à incêndios é a principal atividade exercida pelos bombeiros. Porém, no Rio Grande do Norte, a função deles vai bem além desta. Parcerias com programas sociais e projetos que beneficiam a população também fazem parte do cotidiano daqueles que usam a farda nas cores caqui e vermelho. Este ano, o maior número de atendimentos foi realizado na coleta de leite materno [veja box]. O contato direto com a população prestando serviços indispensáveis a vida faz com que a categoria seja respeitada e o dever de salvar vidas, por vezes, transforma os bombeiros em super-heróis.
Os programas Bombeiro Amigo do Peito e Bombeiro Mirim são exemplos de atividades que permitem a aproximação dos policiais com a sociedade. “No Bombeiro Mirim atendemos 450 crianças que têm a oportunidade de crescerem com conhecimentos de cidadania. O futuro dessas crianças tem tudo para ser mais digno”, explica o assessor de comunicação do CBMRN, tenente Christiano Couceiro.
O que você vai ser quando crescer? Quando era criança, o coronel Elizeu Lisboa Dantas não titubeava na resposta: “vou ser bombeiro”, diza. Hoje, com 44 anos de idade, 26 deles dedicado ao Corpo de Bombeiros, o coronel enche os olhos de lágrimas quando questionado sobre a decisão de ingressar na carreira militar. “Toda criança tem o sonho de ser bombeiro. Eu sonhei e realizei esse sonho”, diz.
No comando do CBMRN, Elizeu diz que não perdeu o espiríto de combatente. Faz questão de participar das atividades com os subordinados e, se preciso, vai para linha de frente. “Um dia desses, aconteceu um acidente automobilístico e estava passando com minha família. Não pensei duas vezes: parei o carro, desci e fui ver se precisavam de ajuda”. O sentimento do coronel é o mesmo que muitos dos soldados e oficiais sentem pela instituição. Muitos preferem não conversar com a imprensa. Uns com medo de sofrerem punição, outros simplesmente por respeito. “Não tenho o que reclamar. Escolhi ser bombeiro por amor e por vontade de servir à população. Respeito a corporação e sou feliz sendo bombeiro”, disse um soldado que estava de serviço na semana passada.
Fonte: Tribuna do Norte
Sd Canindé
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