O dia 22 de novembro de 1910 amanheceu com os canhões dos navios da Marinha do Brasil apontados para a cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. O gesto do marinheiro João Cândido Felisberto e de seus companheiros simbolizava mais do que um motim de subalternos: era um grito de desespero de cidadãos brasileiros que, mesmo passados 22 anos da abolição da escravidão, ainda eram castigados com chibatadas. O chicote era parte integrante do uniforme dos oficiais da Marinha, e as chibatadas eram aplicadas como punição para as infrações disciplinares dos praças marinheiros, em especial os negros.
A Revolta da Chibata é lembrada como um marco na luta contra a discriminação racial, e é saudável para a sociedade que a luta dos marinheiros negros não caia no esquecimento. Mas além da discriminação de cor, a Revolta da Chibata evidenciou também a discriminação de classe, no caso, a classe dos subalternos militares – os praças. E essa discriminação, assim como a de cor e raça, persiste em sobreviver e precisa ser denunciada e combatida.
Os marinheiros eram açoitados mesmo passadas duas décadas do fim da escravidão. Infelizmente a História tem mostrado que o atraso na implantação das leis democráticas e cidadãs nos meios militares não foi exclusividade dos marinheiros de 1910. Hoje, decorridos 22 anos da vigência da Constituição Federal, que se pretendia cidadã, os praças da PM e de outras instituições continuam sendo presos sem o devido processo legal, sem direito a hábeas corpus e por motivos esdrúxulos como deixar de fazer a barba, de limpar a botina ou por manifestar opinião. E assim como os marinheiros de 1910 foram expulsos da Marinha por lutarem contra a chibata, os praças de SC de hoje são expulsos por reivindicar melhores condições de trabalho. Ou seja, além de enfrentar um regulamento medieval e relações internas desumanas, os praças são amordaçados pelos regulamentos e impedidos de denunciar as péssimas condições de trabalho.
A divisão acentuada de classes nos meios militares – que insiste em sobreviver às transformações sociais - produz efeitos para além dos muros dos quartéis. Como manter a “ordem” na sociedade quando a instituição encarregada da manutenção está em “desordem”. A ordem que impera nos quartéis é a ordem do silêncio, uma ordem apenas aparente. Ainda hoje persistem discriminações entre os militares, como a separação dos locais de refeição entre praças e oficiais. A academia de formação da PMSC mantém essa prática, separando alunos oficiais dos alunos praças.
Se a chibata e o porão dos navios eram destinados aos praças no início do século passado, nos dias de hoje a discriminação contra a categoria continua explícita nas instituições militares. Mesmo que com mecanismos mais “modernos”, a segregação nos meios militares ainda obriga os praças do século 21 a utilizar o “elevador de serviço” na maioria dos quartéis. É preciso que o Estado brasileiro pague sua dívida histórica com os praças, fazendo com que os princípios de cidadania entrem na caserna. É preciso manter o espírito armado e apontado para a segregação que impera na caserna, pois a “paz sem voz” dos quartéis “não é paz, é medo!”.
Diretoria da APRASC 22/11/2010
Fonte: http://www.aprasc.org.br/noticia.php?id=590
Muito oportuna esta postagem, para que nossa categoria possa buscar cada vez mais, caminhos e meios legais na luta pela liberdade social sem desistir jamais.
ResponderExcluirMeus Deus, por que que nós ainda temos que brigar tanto por direitos que são por Lei nossos.
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